Diálogos entre cultura hacker e educação

Por Bia Martins

À primeira vista, cultura hacker e educação parecem ser temas distantes, com pouca coisa em comum. Mas, ao contrário, são bastante próximos. Para começar, a cultura hacker nasce na academia, mais especificamente no MIT ainda na década de 1950, quando os estudantes aproveitavam o tempo livre dos computadores, na época grandes máquinas de calcular, para explorar suas capacidades e inventar novos usos imprevistos, como games por exemplo.

De fato, a comunidade hacker herda os preceitos acadêmicos, como o valor do trabalho colaborativo e da evolução do conhecimento, e os radicaliza em sua grande máxima: a informação quer ser livre. O que leva, por consequência, à defesa do conhecimento aberto e livre como um bem comum a ser partilhado, e ao enfrentamento do regime vigente da propriedade intelectual.

Nesse sentido, talvez a criação mais genial dos hackers tenha sido a General Public License (GPL), por Richard Stallman, licença que libera o software para circular amplamente e ser modificado sem restrições, mas obriga suas derivações a se manterem sempre abertas e livres, sob a mesma licença. Dessa forma, a GPL propõe um novo paradigma autoral, baseado na produção colaborativa e na constituição do conhecimento acumulado como um patrimônio comum. Em resumo: o copyleft no lugar do copyright.

Além disso, todo o ideário da cultura hacker (a liberdade de estudar e criar; o aprender fazendo e brincando; a produção colaborativa; a autonomia) encontra grande ressonância com o pensamento de filósofos da Educação, como Paulo Freire. Por tudo isso, vários professores e pesquisadores propõem uma aproximação entre cultura hacker e educação.

Aqui no Brasil, vale destacar o trabalho do professor Nelson Pretto, da UFBA, que defende e propaga uma Educação Hacker. Em seu artigo “Hackear a educação", o professor adequa alguns os preceitos hackers para pensar um novo, e necessário, modelo de ensino:

  • Acesso a todo e qualquer meio de ensino
  • Desconfiar da autoridade
  • Criação e produção de culturas e conhecimentos e não mero consumo da informação
  • Acolhimento à diversidade de saberes, culturas e conhecimentos
  • A cópia e parte do processo de aprendizado
  • O erro não deve ser criminalizado nem mesmo evitado
  • Arquitetura das escolas voltada a atividades livres e coletivas

Já outros pesquisadores têm se dedicado a estudar os hackerspaces como espaços formativos ou lugares onde podem ser identificados processos educativos. Os hackerspaces, como já escrevemos aqui, são espaços nos quais as pessoas de diferentes idades e formações se reúnem para produzirem juntas os mais diversos tipos de coisas, desde pequenos robôs a balões metereológicos, passando por fabricação de cerveja e marcenaria, ou qualquer outra coisa que alguém se proponha a fazer e que encontre mais alguém também interessado em colaborar. Espaços onde todos têm algo a ensinar e algo a aprender, onde não existe um coordenador dizendo o que deve ser feito e onde, não por acaso, circulam muitos professores e estudantes, como pude constatar em minha pesquisa recente.

Pois bem, o reconhecimento da relevância desse tema veio agora com o prêmio Capes 2019 para a tese de Karina Menezes, orientada por Nelson Pretto, intitulada Pirâmide da Pedagogia Hacker = [vivências do (in) possível], resultado de pesquisa sobre os processos educativos em hackerspaces brasileiros. Um trabalho de fôlego e criatividade que merece ser amplamente divulgado. Em sua pesquisa, Karina identificou algumas características de práticas pedagógicas nesses espaços, a saber: são centradas no fazer coletivo e não competitivo (ludicidade); a troca de conhecimento é descentralizada; a atividade de ensino é horizontalizada; vale façocracia, ou seja, o aprender fazendo. Para conhecer um pouco mais do seu pensamento, leia a entrevista com ela que publicamos recentemente.

Para completar a reflexão, vale citar o movimento Ciência Aberta como um retorno circular: a academia que influenciou a cultura hacker em sua origem, agora se inspira em seu ativismo na defesa do conhecimento sem as barreiras da propriedade intelectual em suas diversas vertentes: Acesso Aberto; Dados Abertos; Cadernos de Pesquisa Abertos; Ciência Cidadã etc. Mais especialmente, para o campo da Educação, a iniciativa Recursos Educacionais Abertos propõe que o material didático seja produzido com licenças livres para circular amplamente, podendo ser recombinado e adaptado à vontade como um bem comum a todos. Vale ler o post que publicamos sobre o tema.

Este post é um resumo da palestra realizada em 16/10/2019 no curso Gestão da Educação na Faculdade de Formação de Professores da UERJ, a convite da professora Rita Leal.

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