Baia Hacker Space – da contracultura à permacultura

Por Bia Martins

Na pequena cidade de Itu, no interior de São Paulo, um espaço de troca e convivência agrega uma série de iniciativas, em diversas áreas, que têm em comum o fato de não se encaixar nas vias institucionais oferecidas pelo governo ou pelo mercado. Ativa desde 2015, a Baia Hacker Space é apoiada pela Ong Caminho das Águas e ocupa duas salas numa incubadora da Prefeitura local, conectando ideias, projetos e pessoas de Itu e arredores. Desde o ano passado, estendeu seu raio de atuação também para a área rural, com o projeto Porto Rural na Colônia de Capoava, no município vizinho de Porto Feliz.

Diferentemente de outros hackerspaces que existem no Brasil e no mundo, cujas atividades se concentram mais em tecnologia eletrônica, a Baia reúne pessoas de variadas áreas de prática e conhecimento. Ali se encontram artistas para organizar saraus e festivais, educadores para prototipar novas formas de aprendizado (com ajuda, por exemplo, do PirateBox), ativistas e pesquisadores envolvidos com a questão hídrica que atinge a região e, como não poderia deixar de ser, alguns poucos que cuidam do desenvolvimento de software e hardware livres para apoiar essas propostas.

Para Vivianne Amaral, uma das ativistas do espaço, a Baia Hacker “se configura como um laboratório social, uma plataforma social, que dá suporte, acolhe, a exploração intensa da interação e do que ela pode produzir”. Ela cita o III Sarau Hacker da Baia, realizado em fevereiro de 2017, como um dos momentos mais significativos da sinergia que esse espaço autônomo pôde gerar para impulsionar a economia criativa na região. O evento reuniu artistas plásticos, artesãos, fotógrafos, músicos, poetas, chefs e muito mais, proporcionando oportunidade de encontrar parceiros e formar redes.

Momentos Sarau Hacker

Algumas memórias do III Sarau Hacker 

Confira um pouco mais do III Sarau Hacker aqui.

Talvez para quem vive em uma cidade grande, onde existem muitas opções, formais e informais, de exposição de trabalhos e trocas de ideias, a iniciativa do sarau possa parecer apenas mais uma entre tantas. Mas imagine uma cidade do interior, com poucas atividades culturais e ainda menos abertura para iniciativas que não atendam ao modelo de mercado. Dá então para ter noção do valor de uma produção cultural independente como essa para a população local.

Uma questão, no entanto, fica latente: qual a relação entre as atividades artísticas e culturais do espaço com a cultura hacker? Por que as pessoas identificam o espaço onde expressam sua criação artística com um hackerspace?

Marcelo Aglio, diretor do Coletivo Teatral Corifeu que utiliza o espaço para seus ensaios, responde sem pestanejar: “para o teatro, o hacker tem a ver com a linguagem”. E explica que, ao propor um teatro engajado e experimental, se vê hackeando a cultura. Uma das peças montadas recentemente pelo grupo, A Farsa da Água, tratou da questão da crise hídrica que atinge a cidade de forma crônica. 

Na mesma linha vai a análise da fotógrafa e empreendedora na área de comida Vegan Amanda Sylvestre, que relaciona a cultura hacker com a contracultura. Uma das organizadoras do Festival Lado B, realizado em julho 2017, ela conta que o evento, pensado e produzido na Baia, surgiu como alternativa ao Festival de Artes de Itu, promovido pela Prefeitura. O objetivo foi dar lugar de expressão a todas as culturas da cidade. Dessa forma, na sua visão, o evento hackeou a cultura oficial da cidade, que não dá oportunidade para os novos. 

Mais sobre o Festival Lado B em Itu.

Outra importante frente de atuação da Baia Hacker Space é na pesquisa em sustentabilidade. Na prática, já foram realizadas algumas oficinas nessa linha, como a de criação de composteira com resíduos orgânicos e a de produção de móveis e outros objetos com pallets. Mas o projeto mais ambicioso está em Colônia Capoava, uma área de cerca de 54 hectares na região rural da cidade vizinha de Porto Feliz, onde vivem por volta de 400 pessoas. Batizado de Porto Rural, o projeto tem como objetivo pesquisar protocolos e protótipos de serviços e produtos tecnológicos dentro do conceito de Permacultura, que prevê o planejamento de sistemas ambientalmente sustentáveis, socialmente justos e financeiramente viáveis.

Carlos Diego, um dos idealizadores da Ong Caminho das Águas, conta que eles já estão ocupando duas das 83 casas da comunidade, além da Garagem Industrial, desde agosto de 2016. Durante esse período, em meio a muitas conversas e à observação da natureza e das relações sociais no local, foi concebido um planejamento de 15 anos para a implantação plena do projeto, baseado em três eixos principais: a natureza, as tecnologias e as pessoas. A área de propriedade da empresa Radar S/A está atualmente em processo de doação para a Caminho das Águas, que ficará então responsável pela gestão da colônia.

Entre as primeiras atividades previstas para a serem implantadas em breve está a Escola das Águas, com a ocupação criativa do prédio da escola visando especialmente as 96 crianças que vivem na comunidade, e ainda a implantação de um viveiro de mudas, como um protótipo para um empreendimento futuro de maior dimensão que gere renda para o sustento da colônia e de seus moradores.

Porto Rural, vista aérea

Vista aérea da Colônia Capoava, sede do projeto Porto Rural

Mais sobre o Porto Rural.

Um espaço para organização e produção de iniciativas culturais, um espaço para experimentação de tecnologias voltadas à sustentabilidade, um hub de convergência de ideias e pessoas “formatado em laboratório de experiências sensíveis”. A Baia Hacker Space é tudo isso e um pouco mais que não coube aqui neste post. Um espaço por onde fluem pessoas e projetos, no qual hackear vai além da experimentação com tecnologia. Hackear talvez seja, nesse caso, experimentar a criação de outros mundos possíveis, na cultura, na agricultura e também nas relações pessoais. Algo de valor inestimável nos dias de hoje, quando precisamos tanto criar novos modos de viver.

Obs: Visitei a Baia Hacker como parte da minha pesquisa de pós-doutorado intitulada "Um estudo dos hackerspaces brasileiros como espaços comunitários de produção de conhecimento", no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação do IBCT e UFRJ, com supervisão da professora Sarita Albagli. Acompanhe a pesquisa aqui.

Comentários

olá quero parabenizar vocês e interagir, aprender e apreender. Abs!

Oi Marisa, Se quiser entrar em contato com o pessoal da Baia Hacker, eles têm um site http://baiahacker.space/ e uma página no Facebook - https://www.facebook.com/baiahacker/?fref=ts. Um abraço, Bia Martins