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Manifesto pela Abertura do Espectro Radioelétrico

"Somos do movimento do espectro aberto, livre. Defendemos um futuro onde o espectro seja compartilhado usando equipamentos inteligentes que encontrem os melhores níveis de energia e freqüência para as transmissões. É hora de superar a privatização do espectro, verdadeiras "capitanias hereditárias do espectro eletromagnético". É hora de trazer o potencial digital para as telecomunicações sem fio. O espectro é um bem comum!"

Esta é a síntese do Manifesto pela Abertura do Espectro Radiolétrico que será lançado na próxima terça-feira, dia 20 de março, durante o 52º Encontro Tele.Síntese Brasília. Abaixo, a chamada do encontro e o manifesto aberto a adesões.

O Bem Escasso: o que deve mudar na ocupação e nos limites do espectro?

O espectro de radiofrequência é um bem limitado e, à medida que novas organizações sociais, novas demandas, novas tecnologias vão surgindo, novos e velhos serviços passam a disputar esse bem. O Legislativo brasileiro conferiu à Anatel o papel e o poder de gerir o espectro. A agência estuda renovar os seus regulamentos sobre o assunto, propondo importantes modificações na precificação e nos limites atualmente estabelecidos. Há outras formas de se ver a questão? Com a palavra o regulador, o mercado e a sociedade.

MANIFESTO PELA ABERTURA DO ESPECTRO RADIOELÉTRICO
OU
ONDE ESTÃO AS VIAS PÚBLICAS NO ESPAÇO ELETROMAGNÉTICO?

1) Um dos espaços mais controlados do planeta não é visível para as pessoas. Trata-se do espectro eletromagnético. Ele é utilizado para transmitir os sinais de rádio, de televisão, dos telefones sem fio, das redes wi-fi, dos diversos controles remoto, entre outros exemplos. Em quase todo o mundo, esse espaço é controlado pelos Estados.

2) Com o crescente uso da internet, com a conexão dos aparelhos às redes, também cresce a importância do espectro eletromagnético e do modo como o ocupamos. 

3) Existem 4 tipos ideais de uso desse espectro:

- a concessão de faixas de transmissão para empresas privadas utilizarem por um certo tempo;
- a privatização de faixas do espectro, em que o Estado vende uma frequência de rádio tal como se vende um terreno;
- o uso livre e sem regulamentação de determinadas faixas, pois não teria sentido pedir autorização para usar um controle-remoto ou um roteador wi-fi em casa;
- o uso comum, em que se destina faixas de frequências como se fossem vias públicas. Como se fossem avenidas, todos podem utilizá-las com seus carros, desde que respeitem uma série de regras. Em uma via pública não é preciso que os carros sejam apenas de um fabricante, nem precisam ter os mesmos objetivos, só precisam respeitar as regras de trânsito. 

4) Defendemos a criação de espaços abertos para uso comum do espectro. A alegação da interferência que ocorreria se todos pudessem utilizar um conjunto de frequências só faz sentido com aparelhos de transmissão e recepção analógicos. No mundo dos algoritmos, do machine learning, dos aparelhos de rádio operados por software não faz mais sentido o controle exclusivamente privado do espectro. 

5) Os rádios transmissores digitais e rádios receptores digitais inteligentes, smart radios, são softwares que trabalham os sinais digitais e vão alterando em milisegundos a relação entre transmissão e recepção. Desse modo, quando uma pista está congestionada, a comunicação muda de faixa. O aparelho receptor digital, tal como um aparelho celular, é um dispositivo com processador que possui um software capaz de rastrear o espectro e capturar os pacotes de informação que foram definidos como essenciais para efetuar a comunicação.

6) Conclamamos a todas e a todos a defenderem a abertura do espectro visando o uso comum e efetivo deste bem público. Vamos formar um movimento que defende a disponibilidade do espectro de radiofrequências para todas e todos. O espectro radioelétrico é um bem comum e precisa ser desprivatizado e ter seu uso e ocupação desconcentrado.

7) Há uma abundância de possibilidades de utilização do espectro. As políticas atuais de telecomunicações impedem que nos beneficiemos desta abundância. Quando os rádios foram inventados eram projetados para fazer somente uma coisa: receber as transmissões da forma mais barata possível. Eram incapazes de processar os sinais que recebiam. Rádios e TVs analógicos são menos complexos que um celular ou um microondas. As tecnologias de informação avançaram consideravelmente desde então: os receptores de hoje são capazes de separar o sinal do ruído e praticamente não necessitam de “zonas de amortecimento”, de "bandas de segurança" em torno dessas freqüências.

8) Somos do movimento do espectro aberto, livre. Defendemos um futuro onde o espectro seja compartilhado usando equipamentos inteligentes que encontrem os melhores níveis de energia e freqüência para as transmissões. É hora de superar a privatização do espectro, verdadeiras "capitanias hereditárias do espectro eletromagnético". É hora de trazer o potencial digital para as telecomunicações sem fio. O espectro é um bem comum! 

Por isso propomos que a ANATEL reserve faixas de radiofrequência para o uso comum, regulamentadas, mas sem necessidade de licenciamento. Atentando para o princípio de complementaridade dos serviços de comunicação social (Art. 223 da CF), e valendo-nos das novas tecnologias de gestão dinâmica do espectro, queremos impulsionar a inovação e garantir a liberdade de expressão sem qualquer risco de interferência. Um movimento neste sentido permitirá que possamos criar redes de conexão jamais imaginadas. 

Sergio Amadeu da Silveira - pesquisador da UFABC e membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil
Thiago Novaes - pesquisador da Universidade Federal Fluminense, da CooLab e Secretário Geral da ABRADIG (drm-basil.org)

Referências:
    
10 Out 2006
Espectro aberto e compartilhamento

24 Set 2007
Por que lutar pelo espectro aberto ou pelo uso comum das ondas de rádio

2013
Espectro Livre: o direito do povo à comunicação

2015
A regulação do Espectro de Radiofrequências no Brasil: uma visão crítica sob a perspectiva dos bens públicos

10 Feb 2017
Spectrum is not a scarce natural resource

2014
The Spectrum Opportunity: Sharing as the Solution to the Wireless Crunch 

2011
Technology-dependent commons: The example of frequency spectrum for broadcasting in Europe in the 1920s

1 Mar 2004 | 15:16 GMT
The End of Spectrum Scarcity

03 Dec 2003 | 5:30 PM
The myth of interference. Internet architect David Reed explains how bad science created the broadcast industry.

 

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