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Afinal, o que é Ciência Cidadã?

Por Bia Martins

Os projetos mais conhecidos de Ciência Cidadã, como SETI@Home, um experimento científico que usa o tempo ocioso de computadores na busca por vida extraterrestre inteligente, ou Clickworkers, uma iniciativa da NASA na qual cidadãos voluntários ajudaram a identificar e estabelecer a idade das crateras de Marte, têm uma característica em comum:  os cidadãos colaboram fornecendo dados, no modelo crowdsourcing, a projetos coordenados por instituições científicas. Publicamos recentemente um post sobre a plataforma eBird, vinculada ao  Cornell Lab of Ornithology, que segue esse mesmo modelo com informações de aves fornecidas por voluntários.

Logo de cara, apenas pela descrição desses projetos, já percebe-se a limitação do papel dos cidadãos nessas pesquisas, pois apenas alimentam de dados projetos concebidos e geridos por cientistas. Na prática, no entanto, assistimos na atualidade a uma crescente demanda por maior participação dos cidadãos na produção de conhecimento, o que tem gerado uma diversidade de projetos, com diferentes formatos e finalidades.

Ao redor do mundo, diversos espaços não institucionais têm sido palco de pesquisas e experimentações realizadas por coletivos formados por leigos e cientistas, que definem de forma democrática desde seu escopo e  até seus desdobramentos. As razões para essa demanda por maior protagonismo cidadão são cada vez mais veementes, já que a ciência institucional não tem dado conta da complexidade dos problemas atuais. como o aquecimento global e o esgotamento dos recursos naturais, por exemplo. Há quem avalie, inclusive, que o conhecimento institucionalizado é parte do problema na medida em que avaliza decisões políticas que agravam essas questões.

As tecnologias de informação e comunicação, que conectam interesses comuns, somadas às potencialidades de inovações como a impressora 3D e a plataforma de hardware livre Arduino, têm incentivado o surgimento de redes globais de pesquisa não institucional, como a Safecast uma organização internacional dirigida por voluntários e dedicada à ciência aberta cidadã voltada ao meio ambiente. Criada após o desastre nuclear de Fukushima com o objetivo de monitorar a radiação ambiental e outros poluentes, rapidamente cresceu em tamanho, escopo e alcance geográfico. Seu objetivo é proporcionar ferramentas aos cidadãos em todo mundo para que eles mesmos possam medir e compartilhar dados acurados sobre o meio ambiente, de forma aberta e participativa, independentemente de governos ou instituições. Como, por exemplo, o bGeigie Nano, um dispositivo móvel com sensor de radiação e GPS, que pode ser colocado na parte externa de uma janela de carro ou usado em bicicletas, trens e até mesmo aviões para monitorar as condições ambientais.

No Brasil, destacamos a iniciativa Interactivos?’16 Água e Autonomia, um laboratório colaborativo de desenvolvimento de projetos, realizado em novembro de 2016, que teve como objetivo promover estudos voltados à hidrologia autônoma, reunindo saberes populares, científicos, técnicos e artísticos em uma perspectiva cidadã. A partir de chamada feita pela Nuvem – Estação Rural de Arte e Tecnologia, foram selecionadas cinco propostas para serem desenvolvidas na região de Serrinha do Alambari, no município de Resende, no Rio de Janeiro. Um dos projetos visava a construção de um sistema completo de reaproveitamento de água de chuva integrado ao de tratamento biológico de águas servidas para zonas rurais. Um pouco deste trabalho pode ser conferido no vídeo abaixo.

Sistema Integrado de Saneamento Ecológico - Interactivos 16

Outro exemplo é o Public Laboratory for Open Technology and Science (Public Lab), criado como uma iniciativa comunitária em resposta à falta de transparência das informações a respeito do vazamento da British Petroleum, no Golfo do México em 2010. Hoje com sedes em vários estados norte-americanos, é uma comunidade de pesquisa aberta, formada por educadores, tecnologistas e pesquisadores que trabalham para criar soluções baratas no estilo Faça Você Mesmo (DIY) para o monitoramento do ar, da água e da terra. Seu objetivo é contribuir na busca de soluções para problemas locais, especialmente relativos ao meio ambiente. Dois exemplos são o dispositivo de hardware aberto Riffle, para o monitoramento da água, e o balão acoplado a uma câmera para fotografia aérea (que se tornou o símbolo da organização), com a finalidade de instrumentalizar a realização de um mapeamento cidadão que possa complementar ou se contrapor aos dados fornecidos por órgãos oficiais. 

Dispositivos DIY do Public Lab e da Safecast

Importante destacar em todos esses projetos, e em muitos outros desenvolvidos dentro da perspectiva da Ciência Cidadã mais democrática,é que suas pesquisas estão dentro do conceito de Ciência Aberta, isto é, tanto software, hardware, design como qualquer informação sobre como produzir ou operar os dispositivos estão disponíveis on-line para quem quiser reproduzi-los. São iniciativas inspiradas nos preceitos do conhecimento livre e voltadas ao fortalecimento da autonomia cidadã.

Como pode-se constatar, a participação cidadã na ciência pode e deve ir muito além do mero fornecimento de dados para pesquisas dirigidas por cientistas, embora estas também tenham seu valor. Mas é preciso reconhecer o cidadão como um ator cognitivo capaz não só de colaborar em investigações, mas de especialmente contribuir com seu conhecimento e sua experiência na própria definição do que deve ser pesquisado e de que maneira, a fim de que a produção do conhecimento caminhe em consonância com as demandas da sociedade.

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