Marcos Dantas

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Na segunda rodada de entrevistas sobre o Comitê Gestor da Internet no Brasil, o professor Marcos Dantas, da Escola de Comunicação da UFRJ, fala das perspectivas de atuação do órgão nos próximos anos. Eleito como representante da Comunidade Científica e Tecnológica para o triênio 2017/2020, o professor alerta para a necessidade de se traçar diretrizes estratégicas a fim de se regular a atuação das grandes plataformas internacionais que controlam a internet, como Google e Facebook, tendo em vista os interesses nacionais.

Por Bia Martins e Thiago Novaes

- Como representante da sociedade civil, quais as principais pautas para o próximo mandato (2017/2019) junto ao Comitê Gestor da Internet?

Gostemos ou não, queiramos ou não, o CGI estará cada vez mais pressionado pela dinâmica social real da internet. A pauta já está sendo e será cada vez mais aquela oriunda das contradições e disputas que se dão na sociedade em relação à internet. Hoje em dia, a internet já não é mais uma tecnologia exclusiva de um segmento social de vanguarda (digamos assim) mas está presente na vida quotidiana de bilhões de pessoas em todo o mundo e em mais da metade da população brasileira. Só que essa população não se relaciona diretamente com a internet, mas com o Facebook, o WhatsApp, o Google, o Netflix, o Spotfy, o Uber e similares. Trata-se de corporações privadas poderosas, sediadas nos Estados Unidos, movidas pela busca de lucro e cujo capital societário é controlado, direta ou indiretamente, por instituições financeiras e especulativas. Em todo o mundo onde a internet já é uma realidade ubíqua, esse seu atual estágio econômico-político vem motivando uma crescente conscientização sobre as ameaças desse controle oligopolístico à soberania nacional, aos direitos republicanos e civis, sem falar da privacidade já que a economia dessas plataformas se baseia na expropriação da privacidade do indivíduo. Fragmentos dessa agenda já estouraram no CGI: por exemplo, na polêmica entre o nosso Ministério Público e o WhatsApp. Estou certo de que, nos próximos anos, tais questões ganharão cada vez mais relevância exigindo uma nova e mais afirmativa postura geral diante delas.

- Como enxerga a composição de forças no CGI para esse período? A sociedade civil está bem representada e terá peso e voz para influir nas decisões?

Temos uma transição pela frente até janeiro de 2019, quando assume (esperamos) um novo presidente da República. Hoje não sabemos quem será. Nessa travessia, o cenário do CGI dependerá muito da postura dos representantes do governo que aí está. Antes eram dois ministérios, agora é um só, o que favorece uma ação governamental em bloco. Na sociedade civil, são muitos e contraditórios os interesses, logo as contradições deverão se acentuar. Como parte da representação da sociedade civil foi renovada, não perdemos a memória e a história. Espero que isso permita sustentar regras não escritas mas construídas e consolidadas ao longo do tempo, regras que caracterizaram, até agora, a condução do CGI. Por outro lado, no setor acadêmico, está fortalecido o campo que pode melhor contribuir para a discussão político-econômica necessária no cenário real da internet hoje em dia. Espero que possamos contribuir através de intervenções que traduzam os resultados de nossos estudos e pesquisas.   

- Até que ponto o CGI pode representar uma resistência às ameaças em andamento às conquistas estabelecidas pelo Marco Civil da Internet, como neutralidade da rede, liberdade de expressão e privacidade?

Como fórum de debate e, a partir daí, foco de mobilização da sociedade, tem dado uma importante contribuição. E penso que, no contexto brasileiro atual, precisaremos ser ainda mais proativos na nossa relação com nossos representandos. Por outro lado, a experiência tem mostrado, como aconteceu no caso da regulamentação do MCI ou de uma resolução sobre o Internet.org., que, quando se trata de produzir alguma intervenção mais efetivamente prática, o  modelo do CGI, devido às contradições internas, pode ser paralisante. O consenso é bom e bonito para produzir princípios, mas nem sempre funciona eficazmente quando se precisa tomar uma decisão pragmática com impacto na vida prática da sociedade, sobretudo na dos agentes econômicos. 

- Uma das atribuições do CGI é estabelecer diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da Internet no Brasil. Terá força para se contrapor aos interesses das operadoras de telecomunicações pela defesa da ampliação da banda larga no País?

Se falamos de diretrizes estratégicas, a questão deve ser posta em relação às plataformas financeiras internacionais, sediadas, na maioria, nos Estados Unidos, que já assumiram o controle da internet: Google, Facebook, Amazon etc. E, também, não podemos esquecer, ao uso que a espionagem estadunidense tem feito da web, conforme denunciado por Edward Snowden. Precisaremos traçar diretrizes estratégicas, considerando os interesses nacionais brasileiros, para regular essas plataformas. Este é um debate já em pleno curso na Europa. E não falarei da China pois lá o Estado chinês sempre foi muito cioso das suas responsabilidades... Essas plataformas promovem evasão fiscal a favor dos Estados Unidos; beneficiam-se de assimetrias regulatórias pois se pretendem à margem ou acima ("over the top") de regulamentos que afetam outros segmentos das comunicações como as telecomunicações ou a radiodifusão; favorecem a difusão e propagação de discursos de ódio ao mesmo tempo em que praticam regras não públicas e opacas de censura à opinião democrática, entre outros problemas que vamos precisar encarar daqui para frente. Na Alemanha, acaba de ser adotada uma lei que prevê multas pesadas para as plataformas que insistirem em favorecer a propagação de discurso de ódio. A França obrigou o YouTube a negar acesso a vídeos contendo propaganda nazista. Certamente, vem por aí alguma regulação européia de amplo alcance fiscal, econômico mas também político-cultural, restaurando, na prática, a soberania dos Estados nacionais sobre o que circula na internet. Penso que o Brasil e o CGI devem começar a acompanhar esse movimento e começar a debater a nossa própria regulação.

- Qual a importância da recente resolução da ANATEL que prevê a possibilidade de provimento de Internet para menos de 5 mil usuários sem necessidade de prévia autorização da Agência?

Reconheceu um fato consumado. Seria papel da Oi, como concessionária de serviço público, atender a essa demanda. Como não o fez, em boa parte por culpa da Anatel que não cumpre o seu papel, empreendedores oportunistas (no bom sentido) passaram a ocupar esse nicho que, para eles, é rentável. 

- E que papel pode desempenhar o CGI nas garantias e fomentos das iniciativas que venham a se apoiar em tal resolução?

Primeiro, teríamos que investigar e avaliar como vem sendo prestado esse serviço por parte desse grande número de pequenas redes interioranas postas, a partir de agora, oficialmente, à margem de qualquer regulação. Então, poderíamos pensar algo mais, se for o caso.

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