A decisão de bloquear o Telegram foi acertada? Sim e não

Telegram

Por Bia Martins

Na semana passada, uma decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes do STF determinou o bloqueio do Telegram em todo território nacional por, resumidamente, reiterado descumprimento de ordens judiciais da Justiça brasileira.

A medida, suspensa dois dias depois, despertou debate sobre sua pertinência ou não, especialmente sobre a proporção da sanção. Afinal não haveria alternativas graduais de coerção para que os administradores do aplicativo pudessem responder às exigências inclusive dentro de prazos mais razoáveis? 

Já houve anteriormente no País a suspensão de operação do Whatsapp por mais de uma vez, em 2015 e 2016, por decisões de juízes regionais, que acabaram revertidas em pouco tempo. O prejuízo causado a milhões de usuários que utilizavam o aplicativo para diversas atividades, muitas vezes de trabalho, foi significativo. Por conta disso, o tema foi parar no mesmo STF, e aguarda definição de uma regra geral para quando um aplicativo de mensagem não cumprir ordem judicial.

Além disso, a decisão do ministro encontraria também dificuldades técnicas de implementação, pois uma simples conexão VPN, por exemplo, conseguiria driblar o bloqueio. O que deve ter motivado a esdrúxula sanção prevista na medida: uma multa de R$100 mil para quem tentasse burlar a proibição. Algo totalmente desproporcional e mais uma vez de difícil implementação. Em resumo: uma bizarrice!

Outro ponto levantado por pesquisadores de comunicação digital é que, se a preocupação é com a disseminação de informações falsas que possam impactar o processo eleitoral deste ano, de pouco adianta bloquear uma plataforma, pois a internet foi criada com uma estrutura para exatamente contornar barreiras. Se o Telegram não funciona mais, muitas outras opções estão disponíveis nos smartphones para continuar a conversa.

O artigo do Rafael Evangelista, Por que seria tolo bloquear o Telegram, publicado no Outras Palavras, explica bem que se trata, na verdade, de um ecossistema de informação. Então, de pouco adianta fechar uma porta pois, segundo ele, a torrente da desinformação continua fluindo pelo Whatsapp e Youtube, alimentada pela lógica neoliberal na remuneração de conteúdos. 

É fato que o ministro e as autoridades da Justiça, em geral, parecem desconhecer a dinâmica da comunicação em rede, e ainda insistem em tomar medidas que talvez fossem mais adequadas ao modelo de comunicação de massa centralizado. Porém, apesar de todos esses senões, considero que a medida foi acertada e fui favorável a ela. Pois trata-se de um problema de outro escopo que avalio com dois argumentos complementares. 

Primeiro, não pode haver hipótese de uma empresa de comunicação digital que opera no Brasil considerar que não deve satisfação alguma à Justiça brasileira. Em menos de um ano, o Telegram descumpriu seis decisões do Supremo e ignorou quatro tentativas de contato do TSE. E isso não é um caso isolado, esse tem sido o comportamento da empresa em outros países. Recentemente acabou cedendo às pressões do governo alemão, com ameaça de banimento, e bloqueou mais de 60 grupos negacionistas naquele país. 

Soma-se a isso, e este é o meu segundo ponto, o fato de que a pretexto de defender uma liberdade de expressão quase irrestrita, o Telegram se tornou um dos espaços preferidos para a proliferação dos discursos de ódio, negacionistas e de desinformação. E este é um dos maiores desafios que enfrentamos na atualidade: fazer prevalecer os valores democráticos sobre essa avalanche destruidora das tais verdades alternativas, que tem feito fortuna em diversos países como Hungria, Turquia e, infelizmente, temos que admitir, aqui mesmo no Brasil. 

Sobre isso, vale ler a matéria sobre o estudo realizado por pesquisadores do Laboratório de Humanidades Digitais da Universidade Federal da Bahia (LABHDUFBA), em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que monitoram o aplicativo desde 2018.

Se alguém tiver alguma dúvida das intenções dos administradores da plataforma, recentemente Ilya Pereskopsky, executivo do Telegram, declarou à revista Wired ter ficado orgulhoso pelo crescimento da extrema-direita americana na plataforma. Em suas palavras:  "É uma marca de qualidade, mostrando que somos uma plataforma neutra", afirmou.

Por tudo isso, considero que a decisão do ministro foi acertada, ou melhor, acertou no alvo. Logo depois, Pavel Durov, CEO da companhia, postou em seu canal oficial um pedido de desculpas ao STF, alegando ter havido uma falha de comunicação: as mensagens do tribunal teriam sido enviadas para um email errado… Em seguida, atendeu a todas as determinações do ministro (a indicação do representante no Brasil; a informação de todas as providências adotadas para combater desinformação e divulgação de notícias falsas no canal, além de bloqueio de canal e exclusão de publicações), o que fez com que a decisão fosse suspensa. Com isso, pudemos perceber que o Telegram se importa, sim, em permanecer no País e preservar seu mercado por aqui. Só faltava uma pressão mais forte para que tomasse as providências necessárias. No entanto, não sabemos ainda em que medida estará disposto mesmo a colaborar para tornar nosso processo eleitoral mais transparente. Isso será preciso acompanhar até o pleito.

O fato é que enfrentaremos um processo eleitoral dificílimo este ano. Não temos ideia do nível de desinformação que correrá pelas redes, especialmente pelos aplicativos de mensagem, que não oferecem espaço ao escrutínio ou ao contraditório. Sim, o combate a desinformação é algo muito mais complexo e não pode ser combatido pelo bloqueio desse ou daquele aplicativo. Porém, a saída para esse desafio só poderá ser construída com a colaboração das empresas que administram essas plataformas, não só atendendo às determinações da Justiça brasileira mas, quem sabe, saindo na frente e inventando formas de dificultar a veiculação de desinformação que venha a prejudicar o processo eleitoral e a nossa democracia.

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