O Dilema das Redes

Por Bia Martins

Já são tantas as resenhas do filme O Dilema das Redes, disponível no Netflix, que cabe a pergunta: será que ainda há algo de novo para abordar? Pois é, acredito que sim, indo além da denúncia e do diagnóstico, vale enfatizar o grande nó do problema, isto é, o modelo de negócio por trás das interfaces viciantes e persuasivas das redes sociais tão presentes em nossas vidas.

Embora com uma dramatização sofrível, e por vezes bem rasa, o filme tem o mérito de levar para o grande público, de forma didática, as implicações do design de plataformas como Facebook e Youtube, entre outras, para a desconstrução dos valores democráticos que nos são tão caros e que levamos tanto tempo para consolidar. O que não é pouca coisa.

Os problemas derivados desse modelo de negócio são muitos: a propagação de desinformação; o incentivo à criação de bolhas e a consequente polarização política que isso gera; a prevalência de discursos de ódio e a viralização de teorias da conspiração e de discursos anticientíficos. Sem falar nos distúrbios psicológicos que impulsiona nos mais jovens e em pessoas vulneráveis, entre várias outras consequências disfuncionais.Como é afirmado à certa altura: as redes sociais trazem à tona o pior do ser humano.

Tudo isso por quê? Porque acima de qualquer outro interesse ou qualquer limite está o objetivo de manter as pessoas conectadas o maior tempo possível para que recebam o maior número de propagandas, que por sua vez vão garantir o maior lucro dessas plataformas. Para isso são utilizadas técnicas sofisticadas de persuasão que, amparadas em monitoramento do comportamento dos usuários e mineração de dados, direcionam propaganda de acordo com o perfil de cada um. 

Algumas afirmações feitas pelos entrevistados são emblemáticas: “Apenas duas indústrias chamam seus consumidores de usuários: a do tráfico de drogas e a de software”. Ou, a que me parece mais certeira e que já circula por aí faz tempo: “Se você não está pagando pelo produto, você é o produto”. Sim, vivemos na economia da atenção, e a atenção de cada um de nós é o que está em disputa. Para isso, vale tudo: como destruir os valores sobre os quais construímos nossa convivência social e, de quebra, levar junto o resta da nossa frágil e combalida democracia.

Pois bem, chegamos ao ponto principal, sobre o qual tenho visto pouca ênfase: a insustentabilidade do modelo de negócio em que se baseiam as redes sociais. Se o objetivo é capturar a atenção das pessoas pelo maior tempo possível, não tem jeito. Não vai ser a autoregulamentação que vai resolver. De pouco adianta também pensar em novas leis para inibir alguns aspectos desse modelo, pois a legislação estará sempre defasada da realidade. Se objetivo é aumentar as vendas a qualquer preço, sempre haverá um modo de contornar a lei para prender a atenção do consumidor às custas do que for.

A professora e pesquisadora Shoshana Zuboff, autora do livro The Age of Surveillance Capitalism, aparece algumas vezes no filme e é dela a tacada final: esses mercados deveriam ser proibidos e ponto final. É preciso colocar o interesse das pessoas e da sociedade acima do culto ao lucro. É preciso estabelecer limites muitos claros ou teremos muito mais ainda a perder.

Ela tem razão, sem dúvida, mas por que será que suas palavras parecem tão longe da realidade? Por que nos parece impossível frear essa indústria? Talvez essa seja uma frente de luta ainda muito incipiente que levará um tempo para ganhar a devida força na sociedade e se transformar em bandeira polítca. De alguma forma, mesmo com vários alertas, como o da produção Privacidade Hackeada também disponível no Netflix, ainda parecemos hipnotizados pelo canto de sereia das redes. Talvez ainda tenhamos que perder muito mais, infelizmente, antes de decidirmos que esse modelo de negócio é inaceitável. 

É preciso sairmos coletivamente da inércia e começarmos a fortalecer outras formas de ocupação da rede, colaborativas e democráticas, como várias que já abordamos aqui no site: Wikipédia, OpenStreetMapCooperativas de Plataforma, Tecnologias Livres e tantas outras iniciativas digitais baseadas na colaboração e na produção do comum, com respeito à privacidade de dados. Só assim poderemos construir uma comunicação digital mais transparente, que respeite os direitos dos cidadãos (não dos usuários) e não represente uma ameaça à democracia.

E, para finalizar: as dicas dadas ao final do filme não mudam muita coisa pois são medidas de caráter individual. Porém, de toda forma, representam alguma resistência a essa espécie de hipnose coletiva a que estamos submetidos. São elas:

  • Desinstale aplicativos que não agreguem nada de útil.
  • Desligue as notificações dos aplicativos no celular.
  • Não siga as recomendações automáticas de plataformas como Youtube. Faça suas próprias escolhas.
  • Cheque as informações antes de compartilhar.
  • Opte por buscadores que não coletam dados pessoais como DuckDuckGo, Qwant ou Start Page.
  • Não clique em fotos ou manchetes apelativas para não estimular esse tipo de conteúdo.
  • Busque fontes variadas de informação, incluindo as que você discorda.
  • Limite o acesso de crianças e adolescentes a celulares, tablets e computadores.
  • Nada de redes sociais antes da adolescência.
  • Retire os aparelhos eletrônicos dos quartos de dormir.