Redes Livres – pelo direito à comunicação e contra o vigilantismo

Por Bia Martins

Como alternativa aos grandes provedores de telecomunicação, que estão mais interessados no retorno financeiro rápido, têm crescido por todo o mundo as iniciativas dentro do conceito de redes livres. As vantagens são muitas: administradas com autonomia pelos próprios usuários, elas escapam dos mecanismos de monitoramento presentes nos provedores privados, além de garantir direito à comunicação, a liberdade de expressão e o acesso à cultura e ao conhecimento. (Crédito da foto ao lado: site guifi.net)

As finalidades são diversas: para garantir o direito à comunicação em regiões remotas onde os provedores comerciais não têm interesse em chegar ou em comunidades carentes que não podem arcar com os altos custos dos serviços privados. São também estratégicas para coletivos que querem assegurar a privacidade de sua comunicação, fugindo do vigilantismo. A abrangência dos serviços é ampla: desde telefonia e acesso internet, até mesmo transmissão de emissoras comunitárias de rádio e TV.

A tecnologia utilizada varia de acordo com as condições locais, mas geralmente são feitas por transmissão de dados sem fio (wifi).  É comum a utilização do protocolo de roteamento mesh que oferece  maior resiliência e estabilidade à comunicação e também facilita sua expansão a áreas mais remotas, pois sempre é possível agregar novos nós à rede. Outra opção, especialmente para locais de difícil acesso, é a transmissão via ondas de rádio.

Leia mais sobre o tema no site Redes Livres.

Uma referência importante em nível mundial é a guifi.net, na Espanha. Criada em 2008, essa rede de telecomunicação comunitária conta com mais de 33 mil nós ativos e cobre cerca de  46 mil km  de conexão sem fio.  É uma rede auto-organizada e operada pelos próprios usuários.  Abrange especialmente a região da Catalunha e de Valencia, mas vem se expandindo por outros países. Está baseada no conceito de commons, isto é, a telecomunicação é vista como um bem comum, que deve estar disponível a todos, e para isso deve ser livre, aberto e respeitar o conceito de neutralidade.

Outra iniciativa internacional de destaque é a Rhizomatica, que começou em 2009, no México, e hoje desenvolve alternativas em telecomunicação por todo mundo tendo como critério a autonomia comunitária, auto-organização, infraestrutura descentralizada e engajamento crítico com a tecnologia. Com seu apoio, por exemplo, foi construída, com doações da própria população, uma rede de rádio com software livre na região de Oaxaca, que atende a 17 comunidades e conta atualmente com cerca de 3 mil usuários de serviço de telefonia móvel autônoma.

Assista ao vídeo sobre o projeto em Oaxaca

No Brasil, vale mencionar o projeto Fumaça Data Springs no Distrito de Fumaça, em Resende. Começou com uma convocatória da Nuvem – Estação Rural de Arte e Tecnologia que, através de bolsa Commotion, financiou um encontro de uma semana, em julho de 2015, para dar início à implantação da rede livre na região.  A população local já havia enviado um abaixo-assinado para operadoras de celular, pedindo a instalação do serviço na região, sem sucesso. Foram então instaladas, com participação dos moradores, uma rede wifi de internet e uma de telefonia celular, que atualmente conta com 13 roteadores, geridas pela própria comunidade que tem cerca de 800 habitantes. 

Fumaça Data Springs

Algumas imagens da implantação do projeto Fumaça Data Springs

Recentemente o Coolab – Laboratório Cooperativo de Redes Livres – lançou uma chamada pública para apoio à instalação de redes comunitárias no País. Cinco comunidades serão selecionadas para receberem assessoramento na capacitação de moradores para instalação e manutenção dos serviços e equipamentos.  Clique aqui para saber mais

As redes livres são também fundamentais como recurso estratégico para o ativismo político, já que possibilitam a comunicação segura e livre de monitoramento. Nesse caso, muitas vezes, são redes temporárias criadas para dar conta de determinados eventos. Um bom exemplo nesse sentido foi o projeto Revolta da Antena, desenvolvido pelo Tarrafa Hacker Clube, em Florianópolis (SC).  Na época das mobilizações de junho e julho de 2013, foi criada uma rede mesh para disponibilizar o acesso à internet sem fio aos manifestantes. A rede funcionava por meio de roteadores instalados em capacetes transportados por voluntários, que estavam conectados entre si e a alguns pontos de acesso durante o percurso.  Dessa forma, foi uma rede segura que possibilitou a comunicação, privada e anônima, entre os manifestantes. Outro projeto nessa linha foi o Occupy.here, que ofereceu uma rede de comunicação segura e imune ao vigilantismo  para ativistas do movimento Occupy.

Seja como uma alternativa à inclusão digital ou como recurso estratégico para ação social, cultural e política, provedores comunitários e redes livres representam a possibilidade de uma comunicação livre e autônoma, fora do modelo comercial e do alcance dos mecanismos de vigilância.

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Comentários

Fiquei com a dúvida expressa no "assunto" desta mensagem. Não há dúvidas quanto às vantagens de uma "rede comunitária", independente dos provedores comerciais, por tudo o que foi dito no texto. O acesso à Internet, porém, me parece depender de conexão que passa por algum tipo de provedor público, tipo RNP, ou privado. Como são feitas as conexões entre as redes livres, comunitárias, e a Internet?

Olá Ricardo, Pelo que sei, sim, o acesso à Internet vai depender de conexão com algum tipo de provedor público ou privado. A questão da privacidade se aplica, portanto, na comunicação entre as pessoas integrantes dessa rede livre. O monitoramento só atuaria na comunicação de alguém da rede com alguém de fora da rede. Não é uma imunidade total ao vigilantismo, sem dúvida, mas na prática já representa uma considerável liberdade de expressão, como no caso citado da Revolta da Antena, no contexto de uma manifestação política, ou mesmo numa comunidade, que pode se organizar politicamente sem correr o risco de ter suas conversas rastreadas. Valeu o comentário, ajudou a esclarecer melhor o post. Um abraço, Bia Martins