Invasores de Corpos: Manifesto Sampler

Reynaldo Carvalho

"Nenhuma superfície é virgem, tudo já nos chega áspero, descontínuo, desigual, marcado por algum acidente: o grão do papel, as manchas, a trama, o entrelaçado dos traços, os diagramas, as palavras."

 

Roland Barthes

 

Neste espaço os assuntos a serem examinados são o remix e temas afins. Vivemos numa era remix, defende o teórico Lev Manovich e as esferas artísticas, econômicas, epistemológicas, jurídicas e políticas, dentre outras, são afetadas. Nas próximas semanas alguns desses aspectos serão analisados aqui. Pesquisadores postulam que a era remix sucede a pós-modernidade; prefiro enxergá-las coexistindo, pois cada época possui inúmeras temporalidades, como ensinou Fernand Braudel. Porém, acredito que o desafio da era remix é o mesmo que o filósofo Alfonso de Toro estabeleceu para a pós-modernidade: o de implementar os conceitos teóricos no nosso cotidiano. Constatamos que no funcionamento das nossas sociedades, depois de todo um arcabouço de teorias desenvolvido na pós-modernidade poucos conceitos chegaram de maneira relevante a algum lugar destacado. Não chegaram com força nas decisões políticas ou nas instituições jurídicas, por exemplo. As instituições normalmente seguem seu curso funcionando com parâmetros da modernidade. O desafio é realmente o da implementação, ensina Toro. Como também escreveu Artur da Távola, “ainda predomina na sociedade e na maioria dos meios intelectuais a utilização de conceitos aplicáveis à modernidade e seu cortejo de racionalidades, jamais à pós-modernidade e seu cortejo de acasos e de desestruturações”. Ver artigo completo em http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/logos/article/viewFile/13164/10082

Reforçam Gabriel Giannattasio e Guilherme Bordonal no texto “Uma pós-modernidade trágica: a historiografia para além da verdade e da mentira”:

“Para aqueles que se formam numa tradição moderna, abandonar os clássicos modelos da linguagem exige um trabalho de constituir-se novamente, reinventar-se. E se pela linguagem nos constituímos no que somos, pela linguagem nos reinventamos. Poderíamos dizer, parafraseando Nietzsche, que criticamos modelos de pensamento incrustados em formas narrativas, empregando, paradoxalmente, as mesmas formas narrativas”.

Procurarei atuar como IJ (Idea Jockey), termo cunhado pelo professor  Ronaldo Bispo dos Santos, do curso de Comunicação Social da UFAL, e que é bastante propício para designar o que inúmeros pesquisadores (e não só) vêm fazendo atualmente. Para Santos, IJ é o nome do profissional, artista ou intercessor/instigador cultural que seleciona e disponibiliza imagens, ideias e música. Apontando o Facebook como ferramenta interessante para a propagação de IJs na internet, argumenta que “é necessário que se perceba que muitas pessoas são IJ atualmente, mesmo sem autodenominarem. Qualquer pessoa que una música, imagens e ideias, fazendo a seleção e avaliação daquilo que realmente vale a pena, desempenha esse papel”.

Se o VJ (Video Jockey) edita imagens e o DJ (Disc Jockey) mixa músicas, o IJ faz além disso, porque divulga vídeos, áudios, pensamentos e fragmentos textuais, objetivando experimentações rizomáticas e a difusão de multiplicidades conceituais.

Para inaugurar o espaço, começarei apresentando trechos da Parte I do Manifesto Sampler, genial trabalho de Fred Coelho e Mauro Gaspar e que pode ser lido, na íntegra, aqui: http://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/12382/12382_5.PDF

"INVASORES DE CORPOS: MANIFESTO SAMPLER

É PRECISO NASCER

Mais que um. É preciso ser sempre mais que um para falar, é preciso que haja várias vozes.

Que importa quem fala?

A verdadeira atividade literária não pode ter a pretensão de desenrolar-se dentro de molduras. A atuação literária significativa só pode instituir-se em rigorosa alternância de agir e escrever.

O crítico não é o intérprete de épocas artísticas passadas. O crítico é um estrategista na batalha da literatura.

O leitor-ouvinte está entregue aos seus próprios recursos.

Escrever não se aloja em si mesmo.

Não ponho aspas. As palavras são minhas. Não importa quem fala. Sou quem pode dizer o que disse. Fui eu quem escreveu. Agora abro as comportas e deixo que elas, as palavras, as vozes, se espichem, se multipliquem, se fortaleçam. Aglutinação pela dispersão. Ele(s) redige(m), mas sou quem escreve. Um corpo em disponibilidade para si e para o outro. Todo es de todos, a palavra é coletiva e é anônima.

Que importa quem fala? A escrita sampler acumula por afeto, pelo que a afeta, tudo aquilo que vê, ouve e experimenta à sua soma.

Quem trabalha com a escrita sampler não é aquele que não tem o que dizer, é aquele que tem coisas demais a dizer, tem vozes demais falando dentro de si, e as expressa musicalmente, como um fluxo, como um processador de linguagens e sensações.

Apropriar para produzir, e não para reproduzir. A escrita sampler como uma forma de ‘dobrar’ a matéria, a referência, o sujeito que existe criar uma nova/outra/diferente subjetivação do texto/música/matéria.

Uma escrita não começa nem conclui, ela se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo. Tem como tecido a conjunção ‘e... e... e...’ Há nesta conjunção força suficiente para sacudir e desenraizar o verbo ser. Viajar e se mover a partir do meio, pelo meio, entrar e sair, não começar nem terminar. Instaurar uma lógica do E, reverter a ontologia, destituir o fundamento, anular fim e começo. Uma escrita pragmática. É que o meio não é uma média; ao contrário, é o lugar onde as coisas adquirem velocidade. Entre as coisas designa um movimento transversal que carrega uma escrita e outra. Um ‘e’ que vem em qualquer lugar: antes, no meio, depois, e cria um espaço para si, para fora ou para dentro do corpo invadido. Um estímulo ao que não necessariamente precisa ser estimulado, a não ser aos olhos de quem está ali invadindo, e sendo invadido. Não mais imitação, mas captura de código, mais-valia de código, aumento de valência.

Produzir na abertura de um espaço onde o sujeito que escreve não pára de desaparecer. A busca do esvaziamento do eu. O eu não torna-se mais referência absoluta pois a escrita sampler opera com diversos eus. A escrita torna-se o exercício do eu + 1, do eu somado a outros ‘eus’ que falam – refalando – em seus textos. A escrita sampler esvazia a figura do autor-ego, e seu papel em relação ao discurso, criando um novo jogo de forças e oposições possíveis.

A linguagem não pode mais se deixar prender à teatralidade filosófica do seu objeto. Deve se tornar, também ela, um atentado por fascinação.

Não significa que, daqui para a frente, não haverá forma na arte. Significa apenas que haverá uma nova forma, e que essa forma será de um tipo que admitirá o caos, sem tentar dizer que o caos é na verdade outra coisa. Encontrar uma forma que acomode a desordem: eis a tarefa do artista hoje. As possibilidades analíticas precisam convergir, e não se digladiar”.

Concluindo esse primeiro contato, apresento uma performance sobre o Poema Atravessado Pelo Manifesto Sampler. Nela, o trabalho é lido pelo poeta Ramon Mello e simultaneamente sampleado pelo artista sonoro Siri.

Até a próxima.    

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